"Ai, que bela poderia ser a vida, que nos presenteava com
coisas tão maravilhosas: a neve a cair silenciosamente lá fora, as maçãs
assadas, a compota de morangos... se não houvesse as dúvidas angustiosas e a
desconfiança contra ela, a própria vida!" (1)
A Literatura de memórias tem nos últimos anos dado uma grande
importância ao testemunho dos momentos particulares, da intimidade com que
tantas pessoas sujeitas a processos políticos e sociais violentos foram capazes
de sobreviver e construir a sua identidade. O mundo em que vivi é de um tempo,
em que esse tipo de literatura ainda não tinha uma grande expressão na Europa,
mas enquadra-se muito nesse espírito.
Ilse Losa escreve na primeira pessoa, a experiência da sua
infância, do início da adolescência na Alemanha dos anos trinta, dando-nos a
memória da sua família, de um passado com os seus avós, de um universo que se
perdeu em muitas das suas particularidades e afetos. É um livro sobre esse
momento inexplicável da história humana, em que a ausência de um espírito corrompeu a essência da vida e a dignidade de milhões de seres humanos.
Nele percebemos como o impossível pôde ser possível, pela crença
de um povo numa esperança que se ausentou de si no mais óbvio, onde aos sinais
sucessivos foram dadas respostas pouco adequadas. É um livro sobre a vida num
século, onde assistimos à construção de um tempo global dominado por uma
estética de agressão, de desvinculação das pessoas a uma comunidade, a uma
cultura. São esses fragmentos de mundos particulares que chegam até nós.
Em O mundo em que vivi recebemos os espaços, as atmosferas de uma
condenação no plano individual a uma cultura que não pôde sobreviver, que se desmoronou, nas perguntas de silêncio de milhões de
judeus que interrogaram os dias. Dessas perguntas, as respostas impossíveis chegaram acima de toda a probabilidade, acima de toda a decência humanas. A história de Ilse Losa teve um fim feliz e com ela recordamos esse
passado, de onde ela sobreviveu para uma vida de escritora, na cidade do
Porto. O mundo em que vivi é em parte, esse caminho para uma escrita que
ela preencheria com momentos particulares, os "pequenos nadas" que
podem fazer renascer os momentos da vida.
(1) Ilse Losa, O mundo em que vvi, pág. ...
(1) Ilse Losa, O mundo em que vvi, pág. ...
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