"Cada
geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha
sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste
em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se
mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e
ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas
não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e
à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações
próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo
que faz a dignidade de viver e de morrer.” (1)
Ele foi o melhor homem de França, uma respiração pela síntese mais intensa do que significa construir uma civilização humana. Veio das planícies áridas de África, onde os alíseos sopram ventos agrestes, de um mar recortado de aventuras para iluminar velhos intelectuais de uma Europa perdida em descrença. Integrou no século XX a ideia essencial de Goethe, de que a civilização é antes de tudo o mais um exercício de respeito global, por onde se inserem o divino, a identidade do território, os outros ao nosso lado e a nossa dignidade.
Inspirou-se em velhos
humanistas que construíram um homem pelo seu peso moral. E em tardes cinzentas
recordou a Malraux e a Sartre o ideal aristocrático por excelência, a nobreza
de espírito como a intemporalidade de uma civilização e o papel deslumbrado dos
intelectuais por aparências, “os demasiados ambientes de desonra intelectual”(
Stephen Spender, World within a world). Lutou no campo das responsabilidade das
ideias, como forma de resguardar uma civilização e demonstrou em palavras e
gestos que toda a superficialidade de todos os ismos foram as aparentes
fórmulas do relativo, a morte da vontade e o esquecimento do outro.
Do absurdo da
existência, das suas irregulares formas concedeu-nos a sabedoria que reconhece
que toda a visão política e ideológica da beleza ou da justiça significam amputar os valores universais dando à luz os sábios da “boa” moral, a “sabedoria”
eleita. E em tardes de dias cinzentos explicou a Sartre que a essência de
mentes politizadas apenas conduz à abstração sem rosto humano. Indicou-lhe o
essencial do papel das ideias, a verdade como forma de construir sociedades de
liberdades de sentido democrático.
O autor do Estrangeiro retirou-se com a
ideia essencial de que são as mentiras contadas da realidade que destroem esse
caminho de liberdade e verdade. Se Malraux encolhia os ombros, Sartre não o
percebia, nesse desprezo pelas
necessidades históricas, pelo combate contra a politização do espírito.
Voltou-se já na ombreira da porta e sorriu-lhes – a vossa desistência trará os
bárbaros perfeitos, os que julgando-se livres, serão os profetas da escravatura,
esperança sem verdade.
O homem que soube que na sedução do poder ou na
infidelidade aos valores imortais residia um novo niilismo que apenas traria a
morte da nobreza de espírito, ou a incapacidade de encontrar essa decência
maior de que falava Sócrates, a coragem da procura. E em momentos de
fraternidade universal, quando Sartre lhe perguntou porque não defendera a
Argélia, ele respondeu-lhe, – gosto mais da minha mãe do que de revoluções.
Chama-se Albert Camus e soube sempre que no curso do rosto existem mais
verdades que em palácios de aparências formais.
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