As memórias são tantas vezes momentos que os dias, de tão rápidos absorvem, ficando nós a relembrar esses flashes dos instantes, do que foi uma vida, uma respiração. O tempo torna-se reduzido para inscrever no íntimo tantas vozes que
tentaram connosco dar aos dias uma cor própria, um sentido vivido de
consistência e beleza. Manuel António Pina nasceu a dezoito de novembro de 1943. É uma voz que vale a pena recuperar. Pela
poesia, pelas crónicas, que nele eram uma arte de desmontar o essencial dos dias vividos e pela
prosa.
Manuel António Pina foi um homem que buscou nas palavras uma tentativa de fazer
compreender a nossa natureza efémera. Foi daqueles que vindo das terras do
Mondego se fez e se encontrou na cidade do Porto,
como forma de desenhar na natureza agreste das pedras, o seu caminho de combustão
de sonhos, no veludo das encostas de granito.
Manuel António Pina tinha uma paixão pelo Winnie the Pooh. Olhava para a literatura
infantil como a possibilidade de reencontrar o olhar inicial, o que está pronto
para olhar o mundo, ainda sem o conhecer. Revelou uma curiosidade para
traçar pela poesia as grandes questões filosóficas de sempre, inerentes à
natureza humana e, descobriu na solidão a possibilidade de erguer sonhos.
Refletiu
sobre a sociedade em que viveu com liberdade, com inteligência e com
criatividade. Deu-nos no JN um conjunto de crónicas sobre esse real que se
sonha e que não se compreende pela ausência de uma substantiva cidadania. Desse real,
em que instituições e media, precariamente percebem o significado do velho
ideal grego, "Libertas, Humanitas, Felicitas".
Foi
um cronista que ousou utilizar as palavras para discutir "as
verdades" que o establishent político gosta de enumerar como os pilares do
universo, por onde interesses privados se alimentam demasiadas vezes da destruição mais básica
dos valores de dignidade de tantos. Manuel António Pina foi um prosador e com
as palavras procurou exercer a liberdade que nos falta, a que tem uma dimensão
moral.
E
foi um poeta. Um poeta que nos descreveu como nos orientamos com os mitos, como
respiramos o real, entre os lugares e as suas sombras, por onde tentamos
reconhecer os gestos. Nunca nos recompomos da partida dos poetas, pois o timbre
da voz é irrecuperável, mesmo que a memória e as palavras queiram colaborar
nessa luta à partida perdida, de guardar o sorriso no templo desse "dragão
feroz" (2) que é o próprio tempo.
(1) Entrevista a Manuel antónio Pina, in Jornal i, 18.02.2012
(2) Ana Maria Mautute, Paraíso Inabitado.
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